Acordo ortográfico da língua portuguesa

Saiba o que mudou na ortografia brasileira
por Douglas Tufano
(Professor e autor de livros didáticos de língua portuguesa)

O objetivo deste guia é expor ao leitor, de maneira objetiva, as alterações introduzidas na ortografia da língua portuguesa pelo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, assinado em Lisboa, em 16 de dezembro de 1990, por Portugal, Brasil, Angola, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e, posteriormente, por Timor Leste. No Brasil, o Acordo foi aprovado pelo Decreto Legislativo no 54, de 18 de abril de 1995.

Esse Acordo é meramente ortográfico; portanto, restringe-se à língua escrita, não afetando nenhum aspecto da língua falada. Ele não elimina todas as diferenças ortográficas observadas nos países que têm a língua portuguesa como idioma oficial, mas é um passo em direção à pretendida unificação ortográfica desses países.

Como o documento oficial do Acordo não é claro em vários aspectos, elaboramos um roteiro com o que foi possível estabelecer objetivamente sobre as novas regras. Esperamos que este guia sirva de orientação básica para aqueles que desejam resolver rapidamente suas dúvidas sobre as mudanças introduzidas na ortografia brasileira, sem preocupação com questões teóricas.

Mudanças no alfabeto

O alfabeto passa a ter 26 letras. Foram reintroduzidas as letras k, w e y. O alfabeto completo passa a ser:

A B C D E F G H I J
K L M N O P Q R S
T U V W X Y Z

As letras k, w e y, que na verdade não tinham desaparecido da maioria dos dicionários da nossa língua, são usadas em várias situações. Por exemplo:
a) na escrita de símbolos de unidades de medida: km (quilômetro), kg (quilograma), W (watt);
b) na escrita de palavras e nomes estrangeiros (e seus derivados): show, playboy, playground, windsurf, kung fu, yin, yang, William, kaiser, Kafka, kafkiano.

Trema

Não se usa mais o trema (¨), sinal colocado sobre a letra u para indicar que ela deve ser pronunciada nos grupos gue, gui, que, qui.

Como era Como fica
agüentar aguentar
argüir arguir
bilíngüe bilíngue
cinqüenta cinquenta
delinqüente delinquente
eloqüente eloquente
ensangüentado ensanguentado
eqüestre equestre
freqüente frequente
lingüeta lingueta
lingüiça linguiça
qüinqüênio quinquênio
sagüi sagui
seqüência sequência
seqüestro sequestro
tranqüilo tranquilo

Atenção: o trema permanece apenas nas palavras estrangeiras e em suas derivadas. Exemplos: Müller, mülleriano.

Mudanças nas regras de acentuação

1. Não se usa mais o acento dos ditongos abertos éi e ói das palavras paroxítonas (palavras que têm acento tônico na penúltima sílaba).

Como era Como fica
alcalóide alcaloide
alcatéia alcateia
andróide androide
apóia (verbo apoiar) apoia
apóio (verbo apoiar) apoio
asteróide asteroide
bóia boia
celulóide celuloide
clarabóia claraboia
colméia colmeia
Coréia Coreia
debilóide debiloide
epopéia epopeia
estóico estoico
estréia estreia
estréio (verbo estrear) estreio
geléia geleia
heróico heroico
idéia ideia
jibóia jiboia
jóia joia
odisséia odisseia
paranóia paranoia
paranóico paranoico
platéia plateia
tramóia tramoia

Atenção: essa regra é válida somente para palavras paroxítonas. Assim, continuam a ser acentuadas as palavras oxítonas terminadas em éis, éu, éus, ói, óis. Exemplos: papéis, herói, heróis, troféu, troféus.

2. Nas palavras paroxítonas, não se usa mais o acento no i e no u tônicos quando vierem depois de um ditongo.

Como era Como fica
baiúca baiuca
bocaiúva bocaiuva
cauíla cauila
feiúra feiura

Atenção: se a palavra for oxítona e o i ou o u estiverem em posição final (ou seguidos de s), o acento permanece. Exemplos: tuiuiú, tuiuiús, Piauí.

3. Não se usa mais o acento das palavras terminadas em êem e ôo(s).

Como era Como fica
abençôo abençoo
crêem (verbo crer) creem
dêem (verbo dar) deem
dôo (verbo doar) doo
enjôo enjoo
lêem (verbo ler) leem
magôo (verbo magoar) magoo
perdôo (verbo perdoar) perdoo
povôo (verbo povoar) povoo
vêem (verbo ver) veem
vôos voos
zôo zoo

4. Não se usa mais o acento que diferenciava os pares pára/para, péla(s)/pela(s), pêlo(s)/pelo(s), pólo(s)/polo(s) e pêra/pera.

Como era Como fica
Ele pára o carro. Ele para o carro.
Ele foi ao pólo Norte. Ele foi ao polo Norte.
Ele gosta de jogar pólo. Ele gosta de jogar polo.
Esse gato tem pêlos brancos. Esse gato tem pelos brancos.
Comi uma pêra. Comi uma pera.

Atenção:
– Permanece o acento diferencial em pôde/pode. Pôde é a forma do passado do verbo poder (pretérito perfeito do indicativo), na 3a pessoa do singular. Pode é a forma do presente do indicativo, na 3a pessoa do singular. Exemplo: Ontem, ele não pôde sair mais cedo, mas hoje ele pode.

– Permanece o acento diferencial em pôr/por. Pôr é verbo. Por é preposição. Exemplo: Vou pôr o livro na estante que foi feita por mim.

– Permanecem os acentos que diferenciam o singular do plural dos verbos ter e vir, assim como de seus derivados (manter, deter, reter, conter, convir, intervir, advir etc.). Exemplos:
Ele tem dois carros. / Eles têm dois carros.
Ele vem de Sorocaba. / Eles vêm de Sorocaba.
Ele mantém a palavra. / Eles mantêm a palavra.
Ele convém aos estudantes. / Eles convêm aos estudantes.
Ele detém o poder. / Eles detêm o poder.
Ele intervém em todas as aulas. / Eles intervêm em todas as aulas.

– É facultativo o uso do acento circunflexo para diferenciar as palavras forma/fôrma. Em alguns casos, o uso do acento deixa a frase mais clara. Veja este exemplo: Qual é a forma da fôrma do bolo?

5. Não se usa mais o acento agudo no u tônico das formas (tu) arguis, (ele) argui, (eles) arguem, do presente do indicativo dos verbos arguir e redarguir.
6. Há uma variação na pronúncia dos verbos terminados em guar, quar e quir, como aguar, averiguar, apaziguar, desaguar, enxaguar, obliquar, delinquir etc. Esses verbos admitem duas pronúncias em algumas formas do presente do indicativo, do presente do subjuntivo e também do imperativo. Veja:
a) se forem pronunciadas com a ou i tônicos, essas formas devem ser acentuadas. Exemplos:
verbo enxaguar: enxáguo, enxáguas, enxágua, enxáguam; enxágue, enxágues, enxáguem.
verbo delinquir: delínquo, delínques, delínque, delínquem; delínqua, delínquas, delínquam.
b) se forem pronunciadas com u tônico, essas formas deixam de ser acentuadas. Exemplos (a vogal sublinhada é tônica, isto é, deve ser pronunciada mais fortemente que as outras):
verbo enxaguar: enxaguo, enxaguas, enxagua, enxaguam; enxague, enxagues, enxaguem.
verbo delinquir: delinquo, delinques, delinque, delinquem; delinqua, delinquas, delinquam.
Atenção: no Brasil, a pronúncia mais corrente é a primeira, aquela com a e i tônicos.

Uso do hífen

Algumas regras do uso do hífen foram alteradas pelo novo Acordo. Mas, como se trata ainda de matéria controvertida em muitos aspectos, para facilitar a compreensão dos leitores, apresentamos um resumo das regras que orientam o uso do hífen com os prefixos mais comuns, assim como as novas orientações estabelecidas pelo Acordo.
As observações a seguir referem-se ao uso do hífen em palavras formadas por prefixos ou por elementos que podem funcionar como prefixos, como: aero, agro, além, ante, anti, aquém, arqui, auto, circum, co, contra, eletro, entre, ex, extra, geo, hidro, hiper, infra, inter, intra, macro, micro, mini, multi, neo, pan, pluri, proto, pós, pré, pró, pseudo, retro, semi, sobre, sub, super, supra, tele, ultra, vice etc.

1. Com prefixos, usa-se sempre o hífen diante de palavra iniciada por h. Exemplos:
anti-higiênico
anti-histórico
co-herdeiro
macro-história
mini-hotel
proto-história
sobre-humano
super-homem
ultra-humano
Exceção: subumano (nesse caso, a palavra humano perde o h).

2. Não se usa o hífen quando o prefixo termina em vogal diferente da vogal com que se inicia o segundo elemento. Exemplos:
aeroespacial
agroindustrial
anteontem
antiaéreo
antieducativo
autoaprendizagem
autoescola
autoestrada
autoinstrução
coautor
coedição
extraescolar
infraestrutura
plurianual
semiaberto
semianalfabeto
semiesférico
semiopaco
Exceção: o prefixo co aglutina-se em geral com o segundo elemento, mesmo quando este se inicia por o: coobrigar, coobrigação, coordenar, cooperar, cooperação, cooptar, coocupante etc.

3. Não se usa o hífen quando o prefixo termina em vogal e o segundo elemento começa por consoante diferente de r ou s. Exemplos:
anteprojeto
antipedagógico
autopeça
autoproteção
coprodução
geopolítica
microcomputador
pseudoprofessor
semicírculo
semideus
seminovo
ultramoderno
Atenção: com o prefixo vice, usa-se sempre o hífen. Exemplos: vice-rei, vice-almirante etc.

4. Não se usa o hífen quando o prefixo termina em vogal e o segundo elemento começa por r ou s. Nesse caso, duplicam-se essas letras. Exemplos:
antirrábico
antirracismo
antirreligioso
antirrugas
antissocial
biorritmo
contrarregra
contrassenso
cosseno
infrassom
microssistema
minissaia
multissecular
neorrealismo
neossimbolista
semirreta
ultrarresistente
ultrassom

5. Quando o prefixo termina por vogal, usa-se o hífen se o segundo elemento começar pela mesma vogal. Exemplos:
anti-ibérico
anti-imperialista
anti-inflacionário
anti-inflamatório
auto-observação
contra-almirante
contra-atacar
contra-ataque
micro-ondas
micro-ônibus
semi-internato
semi-interno

6. Quando o prefixo termina por consoante, usa-se o hífen se o segundo elemento começar pela mesma consoante. Exemplos:
hiper-requintado
inter-racial
inter-regional
sub-bibliotecário
super-racista
super-reacionário
super-resistente
super-romântico

Atenção:
– Nos demais casos não se usa o hífen.
Exemplos: hipermercado, intermunicipal, superinteressante, superproteção.
– Com o prefixo sub, usa-se o hífen também diante de palavra iniciada por r:
sub-região, sub-raça etc.
– Com os prefixos circum e pan, usa-se o hífen diante de palavra iniciada por m, n e vogal: circum-navegação, pan-americano etc.

7. Quando o prefixo termina por consoante, não se usa o hífen se o segundo elemento começar por vogal. Exemplos:
hiperacidez
hiperativo
interescolar
interestadual
interestelar
interestudantil
superamigo
superaquecimento
supereconômico
superexigente
superinteressante
superotimismo

8. Com os prefixos ex, sem, além, aquém, recém, pós, pré, pró, usa-se sempre o hífen. Exemplos:
além-mar
além-túmulo
aquém-mar
ex-aluno
ex-diretor
ex-hospedeiro
ex-prefeito
ex-presidente
pós-graduação
pré-história
pré-vestibular
pró-europeu
recém-casado
recém-nascido
sem-terra

9. Deve-se usar o hífen com os sufixos de origem tupi-guarani: açu, guaçu e mirim.
Exemplos: amoré-guaçu, anajá-mirim, capim-açu.

10. Deve-se usar o hífen para ligar duas ou mais palavras que ocasionalmente se combinam, formando não propriamente vocábulos, mas encadeamentos vocabulares. Exemplos: ponte Rio-Niterói, eixo Rio-São Paulo.

11. Não se deve usar o hífen em certas palavras que perderam a noção de composição. Exemplos:
girassol
madressilva
mandachuva
paraquedas
paraquedista
pontapé

12. Para clareza gráfica, se no final da linha a partição de uma palavra ou combinação de palavras coincidir com o hífen, ele deve ser repetido na linha seguinte. Exemplos:
Na cidade, conta-
-se que ele foi viajar.

O diretor recebeu os ex-
-alunos.

Resumo – Emprego do hífen com prefixos

Regra básica
Sempre se usa o hífen diante de h:
anti-higiênico, super-homem.

Outros casos
1. Prefixo terminado em vogal:
– Sem hífen diante de vogal diferente: autoescola, antiaéreo.
– Sem hífen diante de consoante diferente de r e s: anteprojeto, semicírculo.